sexta-feira, 25 de abril de 2008

25 de Abril


O dia em que o cheiro fétido da ditadura
sucumbiu ao aroma perene dos cravos.

Não gostaria de ver morrer a liberdade
nas mãos da incongruência,
pois às vezes fazemos dela
uma luxúria desprovida de senso
onde tudo é permitido.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Sul



O horizonte é uma ilusão sem fim e as nuvens emolduradas no céu
oásis perdidos no deserto azul. Tudo é plano, de um castanho que se perde na imensidão do espaço, permeado aqui e ali, por um verde envergonhado. O mundo parece ter pousado num local onde qualquer relevo é uma afronta ao manto que abençoa a exactidão deste chão.
Há desalento fingido no árido abandono da paisagem que se estende no mar sereno da planície. Um mar onde a água é uma ilusão que os lábios da terra poucas vezes tocam. Lê-se na face do infinito que o sol tórrido, votou este recanto à febre latente da solidão.
Os animais no meio dos campos repousam de forma tranquila, resignados à fome que o hábito os ensinou a suportar. Cabisbaixos, ruminam a erva inexistente; sonham com o verde que nunca viram e que apenas conhecem dos rumores que a escassa brisa arrasta quando não fica ancorada no calor.
Ao início da tarde, respira-se um ar que traz um longo lamento ao castanho imenso que ferve debaixo do olhar atento do céu. É corajosa a natureza que recebe este bafo que a sufoca, sem que um murmúrio irado se ouça. No fim do dia quando a tarde começa a esmorecer e espalha já uma claridade forçada sobre o horizonte, há um amontoado de sonhos que vagueiam pelo jardim do crepúsculo.
Quem terá concebido este sonho perfeito no coração do vazio?

Alberto Pereira

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Desencanto


Cansei-me de ti.
Entristece-me perder o que nunca existiu,
mas não quero permanecer no que existe.
Dentro das muralhas da tua beleza
corre um rio de egoísmo
que já não consigo suportar.
Destruíste as margens da tolerância
e as águas começam já a inundar-me a dignidade.
Quem despejou esta arrogância na tua corrente?
És uma enxurrada violenta
que desagua no mar poluído da insensatez.
Tu, encanto interrompido pelo desnudar dos dias
que desenhou uma fé sombria nos meus sonhos
e incendiou de dor o horizonte.
Porque deixaste que o desejo nefasto do teu orgulho
secasse o rio de ilusão que me enchia a alma.
Procuro ainda na essência nocturna dos teus lábios
um folêgo de sobrevivência que faça palpitar
o esplendor da tua imagem.
Caminho neste Outono embriagado de desilusão
e ouço a tua voz desfalecer no vento.
Sigo sedento pelo labirinto íntimo de êxtases perdidos
que vivem encalhados no fundo da minha memória.
Mergulho no brilho pálido da tua inocência
e nas águas anémicas de alegria
aguardo uma transfusão que faça circular a eternidade.

Alberto Pereira

Intemporal(conto & poesia)
Editorial Minerva

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Olá, este é o nascimento do blog "Murmúrios da Utopia", um espaço que crio para partilhar inquietações, impossiveis e intemporalidades com os outros e comigo próprio.
Talvez o caminho do desconhecido seja a nitidez absoluta para avançarmos para a utopia, pois a ilusão é apenas um estado prematuro de lucidez criticado pela realidade engelhada, mas não uma impossibilidade. A persistência fecunda sempre os sonhos, embora hajam espaços de tempo em que a esterilidade dos dias adia a gravidez anunciada de quem sabe suportar o abraço da imprevisibilidade.

Aqui fica uma sugestão de leitura:
O livro Intemporal (conto & poesia) 20 autores da Editorial Minerva, no qual tive o prazer de participar.