quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Sobre um poema



Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo.
Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
— a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,invade as órbitas,
a face amorfa das paredes, a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,a redonda
e livre harmonia do mundo.

- Embaixo o instrumento perplexo
ignora a espinha do mistério.

- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.


Herberto Helder

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