quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O Grito - Edvard Munch



Na cripta do horizonte
vultos sanguíneos remam
sismos no crepúsculo.
A voltagem da tarde fortalece escuridão,
crescem nas pálpebras
archotes terror perscrutando desalento.
Há relâmpagos a brilhar pesadelos
e os homens fecham as mãos
dentro dos neurónios.
Pelos dedos escorrem gritos
que acendem abutres na frustração.

Apagam-se daltónicas emoções
no insalubre túmulo dos dias
e apenas a morte
sabe sabotar o desespero.


Poema do livro "O áspero hálito do amanhã"
de Alberto Pereira

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Feto - Leonard da Vinci



No horizonte amniótico brinca uma criança, único habitante
de um país isolado. Mergulhado há vários meses num manto
húmido vai remando os dias com impaciência. Resvala em
movimentos acelerados, escarpando o desassossego de quem não
pode perder o tempo que ainda não começou. A cada dia que
passa vê o espaço onde deambula reduzido.
Já não se senta pacientemente no lugar que lhe escolheram para
crescer, precisa de mais.
Está farto deste Verão em que o sol aprisionado brilha do outro
lado da pele.
Quer abandonar este mar em que não se afoga.
Quer procurar a vastidão de ruídos que ouve do outro lado da
vida, onde ainda não pode viver.
Flutuam-lhe nos olhos semi-cerrados, cidades adormecidas que
sonha acordar.
Tremem-lhe no corpo húmido, ilusões que suplicam crescer.
De repente estica-se, com a convicção que basta desta paisagem
crepuscular que só lhe pode oferecer dias clonados.
Dá um pontapé na neblina, sacode a solidão.
Abre-se um rombo na pele, a água rouca pinga entre as pernas
do universo. Tem um sismo a pernoitar na respiração. Emigra
por um canal estreito que escreve o adeus ao país que tem que
matar.
Sai,
uma luz intensa segreda-lhe,
nasceste.

Poema do livro "O áspero hálito do amanhã"
de Alberto Pereira

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Ruínas da Eternidade


Canto o teu adeus,
nas lágrimas frias que beijam o orvalho matinal do coração,
na brisa que transporta a face sombria do fim.
Envenenaste a esperança,
fugiste com a única coisa que me restava.
Deixaste-me nas veias o sangue manchado de mágoa
e no espírito a raiva de ter acreditado que era possível.
O teu cheiro vagueia nas páginas do desespero,
a ausência preenche o vazio que me sufoca a memória.

Canto o teu adeus,
em todas as esquinas do meu sonho.
Corro pelas ruas e tropeço no silêncio
nesta cidade abandonada que desenhaste dentro de mim.
Deixaste o futuro partir,
condenaste-me a viver no presente oco
que escorre na miséria do sentimento.

Canto o teu adeus,
encostado às ruínas da eternidade
e vejo a saudade embriagada
nas mãos famintas da realidade.

Morro no teu adeus.


Poema do livro
"O áspero hálito do amanhã"
Alberto Pereira

Musa Cinzenta pps





pps Musa Cinzenta de Eliane Marques

Poema do livro "O áspero hálito do amanhã"