segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Feto - Leonard da Vinci



No horizonte amniótico brinca uma criança, único habitante
de um país isolado. Mergulhado há vários meses num manto
húmido vai remando os dias com impaciência. Resvala em
movimentos acelerados, escarpando o desassossego de quem não
pode perder o tempo que ainda não começou. A cada dia que
passa vê o espaço onde deambula reduzido.
Já não se senta pacientemente no lugar que lhe escolheram para
crescer, precisa de mais.
Está farto deste Verão em que o sol aprisionado brilha do outro
lado da pele.
Quer abandonar este mar em que não se afoga.
Quer procurar a vastidão de ruídos que ouve do outro lado da
vida, onde ainda não pode viver.
Flutuam-lhe nos olhos semi-cerrados, cidades adormecidas que
sonha acordar.
Tremem-lhe no corpo húmido, ilusões que suplicam crescer.
De repente estica-se, com a convicção que basta desta paisagem
crepuscular que só lhe pode oferecer dias clonados.
Dá um pontapé na neblina, sacode a solidão.
Abre-se um rombo na pele, a água rouca pinga entre as pernas
do universo. Tem um sismo a pernoitar na respiração. Emigra
por um canal estreito que escreve o adeus ao país que tem que
matar.
Sai,
uma luz intensa segreda-lhe,
nasceste.

Poema do livro "O áspero hálito do amanhã"
de Alberto Pereira

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