terça-feira, 25 de agosto de 2009

Deus serpente



No gueto réptil de tuas palavras
o cerco letal.
Lendas maceradas,
magnas cicutas abertas ao precipício.
À vela nos dedos,
afiadas garras rastejam cinzas
que hão-de morder.

No mastro maligno do pensamento,
o céu,
veneno oculto acabado a lodo.

Poema do livro "O áspero hálito do amanhã"
de Alberto Pereira

O beijo (Edvard Munch)



Ergo-me na periferia nupcial
do teu rosto.
Há beijos demolidos
a voar ténues sorrisos,
salivas costuradas
que choram hálitos enforcados.

Em que idade dos teus lábios
forraste a minha língua de abandono?

Deixa-me publicar
um derradeiro beijo
na demência da tua boca,
para que possa imprimir
o hálito anoréctico do caos.

Poema do livro "O áspero hálito do amanhã"
de Alberto Pereira

CÂNTICO DA REVOLTA



Estou farto desta gente feita de farrapos
que salpica os dias
numa demência mascarada de mel.
Estou farto dos deuses apodrecidos
que procriam desumanidade
na alma inexistente.

Sim vós,
magnéticas lapas com sorrisos encenados
na latitude febril do preconceito,
entendo agora
porque vos baptizaram oportunistas.
Vós que cresceis na seiva incisa
da desgraça alheia
cuspindo moral hasteada de tragédia.

Basta de tanta sedução,
nenhum olhar me devora a dignidade,
pois sou um vendaval solitário
infectado de distância.

Quero-vos a arder no meu esquecimento,
ali, onde me possam ver as ideias
serem expulsas para o aconchego da loucura.
Quero gritar a revolta, parir a liberdade,
abraçar o erro, vomitar a multidão.

Respira-se a realidade engelhada
nas consciências adormecidas,
e eu,
país de absoluta insatisfação
parto no imaginário para a inquietação,
mas seguir-vos não,
seguir-vos não.

Poema do livro "O áspero hálito do amanhã"