sábado, 17 de outubro de 2009

1º Prêmio Sepé Tiaraju de Poesia Ibero-Americana



Das 3027 obras a concurso, provenientes de 26 países,
encontram-se dois poetas portugueses,
Luís de Aguiar e Alberto Pereira
que ficaram respectivamente em 2º e 3º lugar.



1º : Nicolas Diaz Badilla - Chile

2º : Luís de Aguiar - Portugal

3º : Alberto Pereira - Portugal





2º Luís de Aguiar



O LIMITE DO MUNDO


Ter o limite do mundo
no risco maduro da mão
um golpe profundo
rasga a bolsa das águas
e liberta o feto
com nervos fibras e sangue
e ossos transparentes
O músculo do feto
encharca o interior da mãe
e suas válvulas
átomos de luz
O suor de Deus no líquido
amniótico.







PEDRA ANGULAR


Eis a pedra angular
a tornar-se redonda antónimo
de velocíssima espuma
Imagina a tua alma
uma sede amarela
viva seda prurido vermelho
criado
sem pálpebras ou outros lençóis
O ressurgir do assassínio
dos buracos na mente
onde nasceu a argila
e o homem multiplicou-se
na viva ferocidade
do âmago do grão sémen de sol







CLARIDADE OU SÍMBOLO


Escoa-se a casa
rama de cobre
caule atado ateado
fruta enlaçada
no anzol astrológico
Na minha visão nudez
algum transe
claridade ou símbolo
uma insónia
a pernoitar no crânio
enquanto o bebé explode da mãe
e a mãe avé maria
do chão ao céu
E sufocam as jóias
o mármore destapado bordado
por unhas grandiosas
A casa
rama de cobre
ânus semeado
violado espelho de luz





3º Alberto Pereira



AFINADOR DE NUVENS


Passo as horas a afinar nuvens,
a ouvir-te trovejar nas veias.
Desde que me embargaste o corpo
com a tempestade,
nunca mais me aproximei de mim.
O céu ficou senil,
gesticula apenas uma miserável nódoa de paraíso
onde componho sinfonias com veneno.

A cabeça estremece,
tenho a memória raptada por sonetos indígenas.
Esfuziante o teu rosto desarruma o ódio.
Atravesso a pólvora, estrangulo o nevoeiro.
Na leveza do silêncio a garganta dorme.

A peregrinação de cactos
nunca impediu nada.
E ali estás tu,
o catálogo de precipícios
que não esqueço.

O coração é um relâmpago
a legendar cicatrizes.



CREPÚSCULO NÚ

Nasci louco, fui perdendo o corpo no manejo dos anos.
A terra não vigiava os passos,
falavam desse mar invertido calafetado sobre as cabeças.
Depois encostaram adultos aos brinquedos
e estes ficaram amargos.
Mataram-me as lendas nos olhos
quando os dias degolaram a inocência.
Apenas conhecia a mitologia de quatro paredes.
Cá fora os homens reivindicando o inferno,
sujos, cambaleantes, pulverizando nódoas.
As mulheres varrendo desejos,
organizando o idioma decimal da solidão.
Encostadas às esquinas, as crianças vazias
a ensinar a corrupção à memória.
Falavam das namoradas que nunca conheceram,
amavam-nas loucamente nas revistas que não sabiam decifrar.
Tinham as imagens, o rumor pueril no adro do olhar.
Passeavam pelo magnetismo, convictos que no fundo do abismo
a transparência respiraria a sua voz.

Olham agora para trás,
espiam o sangue que coxeia no coração.
Escoa-se como um touro ferido tombado nos ventrículos.
Há já mais poeira do que cor, pergunta-se até,
para quê sangue se rezar nos pulmões não parou a névoa.

O futuro são cães a morder relâmpagos.



IMPOSSÍVEL


Chegar a ti, impossível.

As manhãs já não dizem tempo,
só o silêncio sabe o teu corpo inteiro.
Escorrego por cada palavra,
convenço a pele que não morreste.
Imagino-te ainda como se o sangue
pudesse adormecer.
Eu digo,
o sonho é ouro desavindo,
uma tocha louca no coração afogado.

As manhãs já não dizem tempo,
a mocidade das coisas
dança na peregrinação da distância.
Há beijos inebriados
que procuram a memória,
como se ontem não fosse noite.

Tenho os olhos rachados
pela obesidade das lágrimas,
são tantas as que despenteiam a ilusão.

Talvez nunca seja sempre,
por isso parto.



http://ocadasletras.com.br/?module=noticias&action=noticia&ID=5

Sem comentários: