sábado, 31 de julho de 2010

Alberto Pereira "O áspero hálito do amanhã"



Aqui fica o book-trailer relativo à 2ª edição do livro, "O áspero hálito do amanhã", de Alberto Pereira.
Publicado a primeira vez em Novembro de 2008, pela Edium Editores, saiu agora com uma nova capa, em Junho de 2010.

Prefácio de Xavier Zarco

Este “O áspero hálito do amanhã”, que tem agora entre mãos, apresenta-se estruturado sob três ciclos autónomos: “Dói-me a utopia”, “Arquipélago da loucura” e “Mordem pincéis nas palavras”.

Mas esta aparência autónoma é exactamente isso: meramente aparente. É uma ilusão elaborada como hipótese de caminho, de uma via a seguir no processo criativo. Uma demanda em que o criador se veste como usufruidor da criação artística para, posteriormente, proceder à recriação: erguer dentro de um corpo um corpo outro.

Talvez por isso Alberto Pereira tenha escolhido, como epígrafe a este seu volume, um dístico de Pedro Sena-Lino onde este menciona:

Não somos feitos de pele,
somos feitos de feridas.

algo que nos abre o corpo, que nos incita ao doloroso processo da indagação. Essa dor presente logo no título do primeiro movimento: “Dói-me a utopia”.

Mas que dor é esta que a ferida em nós desperta?, é, na minha leitura, a dor essencial vista como purificadora da oficina para que o processo criativo se possa iniciar.

Não sei como dizer-me que és um hemisfério de desejo
afogado na nudez da memória

Pelo que a ferida de que somos feitos radica no centro de nós, a nossa própria memória, espaço privilegiado para a edificação da obra sentida como “hemisfério de desejo”.

No entanto, não basta preparar o espaço e deter a consciência da possibilidade do erigir em obra o que em si, “na nudez da memória”, se intui existir. Há portanto que possuir os instrumentos e a estes atribuir as funções necessárias para dar continuidade ao processo criativo.

Surge-nos então o “Arquipélago da loucura”, conjunto de corpos, como a própria palavra arquipélago indicia, cada um com as suas especificidades, mas que formam um todo.

Mas este é um todo em mutação, onde “a abrupta harmonia na quietude do imperceptível”, que se descobre quando “O tempo acende o sono dos sorrisos e a cada dia que passa nascem ilhas”, novos artefactos porque novas são as necessidades para o desvelar da obra, é um arquipélago que cresce a cada passo sob o olhar atónito do criador.

Há a oficina e os instrumentos e a obra surge no derradeiro movimento: “Mordem pincéis nas palavras”. O que aí leio é um contínuo diálogo, quase intertextual com os mais diversos quadros, imagens que foram reavivadas, resgatadas à memória.

Aí Alberto Pereira lança mão ao que elaborou anteriormente para nos trazer uma partilha, não de meras impressões, mas, tal como mencionei, do que é fruto de um intenso diálogo com o objecto de arte, o que desta existia em si e do seu próprio contexto.

Um criador, que assume a função da fruição, do outro em si, para erguer, recriar e nos brindar com este “Áspero hálito do amanhã”.



Para adquirir o livro basta ir a:

http://www.ediumeditores.org

terça-feira, 13 de julho de 2010

UM PRECIPÍCIO A QUE QUEREMOS PERTENCER - POEMAS DITOS



Episódio 4

Eugénio de Andrade - Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.