domingo, 16 de setembro de 2012

Meteorologista de Lágrimas - Alberto Pereira



METEOROLOGISTA DE LÁGRIMAS

É feriado na solidão,
vejo-te descer a memória a poente do desespero.
Desde que as rugas me embriagaram a pele,
poucos se lembram de mim.
Todos me olham, 
mas, na verdade, poucos me vêem.

Agora que chego ao fim,
sei que as vírgulas mordem o destino
e este se faz de crianças fundeadas na distância.
Acredita,
sou um meteorologista de lágrimas,
adivinho as marés que encharcam o rosto
quando o coração pressente a baixa-mar.

Lembro-me,
era sobre os nossos corpos
que as aves amanheciam,
e eu,
eu ia com elas,
entre as margens de tudo.
Só quando partiste percebi,
a noite cresce mais que o mundo
e Deus cabe numa algibeira.

O paraíso é uma viagem
que termina sempre no inferno.


Alberto Pereira
in "Amanhecem nas rugas precipícios"


"Se alguém me perguntar, hei-de dizer que sim, que foi
verdade - que não amei ninguém depois de ti nem
o meu corpo procurou nunca mais outro incêndio
que não fosse a memória de um instante junto
do teu corpo; e que deixei de ler quando partiste
por não suportar as palavras maiores longe da tua boca;
e que tranquei os livros na despensa e tranquei a despensa,
acreditando que, se não me alimentasse, acabaria
por sofrer de uma doença menor do que a saudade, mas
a que os outros, pelo menos, não chamariam loucura.

Se alguém me perguntar, direi que foi assim, e não de
outra maneira, como alguns parecem supor - que permiti,
bem sei, que outros homens me amassem e me aquecessem
a cama, mas em troca lhes dei apenas um nome diferente
do que tinham e os vi partir desesperados a meio
da noite sem sentir maior dor que a de saber que, afinal,
também eles não existiam para além de ti; e que no dia
seguinte dava comigo a trautear sem querer essa canção
que amavas (como se ela, sim, se tivesse deitado
no meu ouvido), mas que a sua melodia, em vez
de me alegrar como antes, me escurecia mais a vida.

Se alguém me perguntar, nada desmentirei, nem negarei
que os frutos todos que me deram a provar na tua ausência
me pareceram demasiado azedos ao pé dos que explodiam
em sumo nos teus lábios; e que, por isso, nunca mais quis
um beijo de ninguém, nem sequer inocente, e não voltei
também a aceitar as flores que me traziam por me lembrar
que, em mãos assim, tão grandes para o afecto, o seu
perfume anunciava invariavelmente a chegada do outono.

E contarei por fim, se alguém quiser saber, que o teu silêncio
foi de tal densidade, de tal espessura, que não consegui
escutar nenhuma das vozes que vieram depois de ti e, pior
do que isso, me esqueci com indiferença das mais antigas,
pelo que as minhas noites se tornaram uma tão longa
e solitária travessia que ainda esta manhã acordei ao lado
da tua sombra e respondi baixinho, mesmo sem ninguém
me perguntar, que há coisas que uma mala nunca leva."

Maria do Rosário Pedreira
in "O canto do Vento nos Ciprestes"

"Poesia reunida" de Maria Do Rosário Pedreira, é um excelente livro, que comporta todas as obras poéticas da autora e o inédito, "A Ideia do Fim".
Já tive o prazer de o ler.
Para mim, "O Canto do Vento nos Ciprestes", continua a ser a sua obra maior.

Alberto Pereira